sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O excêntrico e a água ardente


Estava com familiares saboreando uma deliciosa feijoada da periferia - muitas vezes os melhores restaurantes estão fora dos circuitos turísticos - quando sujeito nos seus vinte e poucos anos pediu um copo de água no balcão. Aparentava ser conhecido por todos. Poderia, enfim, ser definido como um excêntrico que foi objeto de alguma intervenção da instituição psiquiátrica. Olhou para o copo de água e pegou em uma das mesas, uma garrafinha dessas pimentas que estimulam os prazeres masoquistas dos glutões. O rapaz não poupou as gotinhas ricas em capsaicinóides, substância de nome também excêntrico e que produz a sensação de arder na boca, e olhou para mim. Houve uma comunicação não verbal. Eu questionava por que ele fazia aquilo e ele se aproximou de mim e respondeu: - Sabe o que é isso? Eu continuei respondendo não em silêncio e ele me respondeu: - Água ardente. Enfim: água ardente ou água de fogo. Nesse momento, seria habitual que se risse do chiste, daquilo que é inesperado. Entretanto, o que houve foi uma atitude professoral da parte dele. Imagens que se juntam umas às outras e que de acordo com os contextos podem apresentar os sentidos mais diversos. Ele, proibido por Apolo de fazer uso dos líquidos sagrados de Dionísio, pode se embriagar de poesia concreta. Água ardente era uma metáfora ou seria a aguardente das indústrias a verdadeira metáfora? Que coisa é essa escorregadia, cujos sentidos deslizam como vasos comunicantes? Para mim, aquele sujeito não estava na posição de louco, mas de alguém que abriu caminhos de sabedoria através de uma linguagem alegórica que ensinou sobre a natureza de um fenômeno muito mais social do que natural chamado de linguagem humana.

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