sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O excêntrico e a água ardente


Estava com familiares saboreando uma deliciosa feijoada da periferia - muitas vezes os melhores restaurantes estão fora dos circuitos turísticos - quando sujeito nos seus vinte e poucos anos pediu um copo de água no balcão. Aparentava ser conhecido por todos. Poderia, enfim, ser definido como um excêntrico que foi objeto de alguma intervenção da instituição psiquiátrica. Olhou para o copo de água e pegou em uma das mesas, uma garrafinha dessas pimentas que estimulam os prazeres masoquistas dos glutões. O rapaz não poupou as gotinhas ricas em capsaicinóides, substância de nome também excêntrico e que produz a sensação de arder na boca, e olhou para mim. Houve uma comunicação não verbal. Eu questionava por que ele fazia aquilo e ele se aproximou de mim e respondeu: - Sabe o que é isso? Eu continuei respondendo não em silêncio e ele me respondeu: - Água ardente. Enfim: água ardente ou água de fogo. Nesse momento, seria habitual que se risse do chiste, daquilo que é inesperado. Entretanto, o que houve foi uma atitude professoral da parte dele. Imagens que se juntam umas às outras e que de acordo com os contextos podem apresentar os sentidos mais diversos. Ele, proibido por Apolo de fazer uso dos líquidos sagrados de Dionísio, pode se embriagar de poesia concreta. Água ardente era uma metáfora ou seria a aguardente das indústrias a verdadeira metáfora? Que coisa é essa escorregadia, cujos sentidos deslizam como vasos comunicantes? Para mim, aquele sujeito não estava na posição de louco, mas de alguém que abriu caminhos de sabedoria através de uma linguagem alegórica que ensinou sobre a natureza de um fenômeno muito mais social do que natural chamado de linguagem humana.

domingo, 2 de janeiro de 2011

A esperança e 2011


A palavra esperança significa um sentimento de quem vê como possível aquilo que deseja. Dentro do cristianismo, essa espera confiante está associada à fé, que envolve uma crença plena e à caridade, associada ao amor a si mesmo, ao outro e a Deus, o Grande Espírito. Em nossa tradição ocidental, as comemorações do Ano Novo ocorrem desde 1582, quando o Papa Gregório XIII determinou a data para 1o de janeiro. Independentemente dos relativismos históricos, existe a força do simbolismo neste ritual. Trata-se de um momento de revolução, não naquele sentido político ou mesmo científico de ruptura dos paradigmas, mas de um crescimento existencial quando os sujeitos podem voltar ao ponto de partida e começar tudo de novo, em uma outra perspectiva, mais madura e consolidada. Se os objetivos não foram atingidos, seria importante não culpabilizar os outros e ter a serenidade da autocrítica. Se eles foram atingidos, saber compartilhar esses resultados para que não se fique intoxicado de si mesmo. Durante esse ritual, as pessoas se reencontram e podem entre abraços e votos de fortuna e felicidade, reparar o que precisa ser reparado para que a dívida não cresça. 2011 é o ano da primeira mulher presidenta do Brasil. A imprensa francesa, inglesa, espanhola, norteamericana, entre outras, voltam os olhos para esse fato e para a pergunta fundamental: haverá continuidade do modelo político do ex-presidente Lula? A esperança significa confiar no sucesso em benefício do povo brasileiro, a quem foram dirigidas políticas sociais. No final da ano de 2011, poderá se ter alguma noção de que essa esperança foi gratificada ou não. Talvez a presidenta não tenha o carisma discursivo do ex-presidente Lula, mas nos espaços das articulações políticas e das reuniões técnicas, creio ter a sagacidade e sensibilidade de quem deseja Paz ao Mundo. Este Mundo começa em nossa casa, nosso vizinho e com o nosso povo.